O combate ao tráfico de seres humanos: uma prioridade para nossa sociedade

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Por José Manuel Malazaro Uriol

O tráfico de seres humanos para exploração sexual é uma das principais violações de direitos humanos e um dos mais duros rostos da violência de gênero.

O mais importante dos instrumentos internacionais para o enfrentamento ao tráfico de pessoas foi celebrado em 25 de novembro de 2000 e é conhecido como Protocolo de Palermo[1]. O Brasil aderiu a esse Protocolo em 2004. Seu artigo 3º estabelece a seguinte definição de Tráfico: “Tráfico de seres humanos significa o recrutamento, transporte, transferência, acolhimento e alojamento de pessoas por meio de ameaças, uso da força ou outras formas de coação, sequestro, fraude, engano ou abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade, ou dar ou receber pagamentos ou benefícios para conseguir o consentimento de uma pessoa que tenha controle sobre outra, com o propósito de exploração. Isso inclui, no mínimo, a exploração da prostituição de terceiros ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas similares à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos”.

Reflexo da violência de genero

Várias são as causas. A grande maioria das mulheres  traficadas vivem em situação de pobreza, sofreram abusos  ou vivem em áreas que tiveram conflitos armados. A maioria, e também pelas razões acima expostas, teve acesso limitado à educação formal. As expectativas de encontrar um trabalho digno, de ajudar à família, de fugir da pobreza e do conflito, e de ter maior independência e oportunidades de desenvolvimento pessoal são alguns dos fatores que empurram ou predispõem às mulheres a deixar seu país de origem.

É importante destacar também a  dimensão de gênero no estudo deste fenômeno considerando a evidente feminização da pobreza e a dimensão cultural  do patriarcado vigente, na base da qual, a violência contra as mulheres é admitida e até  legitimada.

Desculpabilizar a vitima

O tráfico de pessoas se situa hoje no contexto dos movimentos migratórios. O atual sistema capitalista mundial aprofunda as divisões entre países ricos e pobres, e as desigualdades dentro dos estados nacionais. O problema das mulheres traficadas deve ser colocado em relação também com os problemas globais colocados pelas migrações e a tendência para fechar as fronteiras da Europa e América do Norte através de legislações restritivas desse fenômeno humano.  Nem todas as migrantes são traficadas e nem todas são destinadas à prostituição. Um nexo  exagerado dessas situações pode servir de  desculpa para restringir a migração. E o aumento do controle de migração e incentiva o aumento do tráfico.

A construção de um perfil de vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual ainda segue sendo um desafio. É preciso realizar estudos com dados mais atualizados e aprimorar os métodos de pesquisa para evitar absurdas e simplificações que criam falsos “imaginários” [2]de “mulheres traficadas” os quais fornecem uma base para a discriminação sexual nos mais variados aspectos.

A preocupação com as vítimas de tráfico  é legítimo e necessário . No entanto, uma ênfase excessiva na vítima pode nos fazer esquecer o que deveria ser uma preocupação fundamental da justiça: a investigação e punição dos promotores e gestores do crime, neste caso, os traficantes.

Neste sentido o texto do Protocolo de Palermo coloca mais atenção nas vítimas do que nos autores, e mais ênfase nas atividades migratórias de controle que na investigação e punição do crime de tráfico.

Há uma tendência nas legislações recentes sobre este tema dos distintos países, (também no Brasil)  a priorizar  programas de capacitação para as mulheres vitimas do tráfico humano. A mensagem que sutilmente transmitem é que as pessoas traficadas são, em parte, culpadas de ignorância ou falta de capacitação. O entendimento gira em torno de uma espécie de “co-culpabilidade” da vítima pelo exercício da prostituição ou pela situação de exploração sexual.

Acabar com a impunidade

A escala nacional e internacional, o eixo deve estar na investigação, julgamento e punição dos promotores e executores desses crimes. A passividade e a cumplicidade das autoridades com muitos grupos que operam em redes de tráfico, nos levam  a  suspeitar  da cumplicidade dos governos.

E junto a essa perseguição das redes criminosas, é fundamental erradicar as causas que empurram às mulheres a arriscar e aceitar esse tipo de convites. Não basta apenas criar um programa de enfrentamento ao tráfico de pessoas e continuar deixando a vítima em condições vulneráveis.

No Brasil este delito ainda permanece parcialmente invisível e impune. As leis punem mais severamente o tráfico de drogas que os casos de tráfico de seres humanos. A venda de drogas, por exemplo, tem penas de prisão de entre cinco e 15 anos, em regime fechado, enquanto o tráfico para exploração sexual é punível com um máximo de oito anos no regime semi- aberto.

É difícil conhecer o alcance real das vítimas enviadas ao exterior por gangues do tráfico, mas o que torna mais complicado combater o tráfico de seres humanos no Brasil é o fato de que ele apenas é  crime quando há exploração sexual ou trabalho escravo. Apenas através de denuncias pode ser iniciada uma investigação. Além disso, no tráfico internacional, geralmente as pessoas vão para o lugar da sua exploração de forma voluntária, e a maioria não sabe que vai ter seu passaporte retido.

Necessidade de implementar estratégias de combate ao Tráfico de Seres Humanos

Hoje, para terminar com a sensação de impunidade que têm os autores deste tipo de crimes, é preciso:

  • Lutar contra o tráfico a partir de uma perspectiva de direitos humanos, impedindo que a proteção das vítimas fique subordinada ao desmantelamento de redes e ao controle de migração.
  • Sensibilizar e aumentar o conhecimento público sobre o problema do tráfico de pessoas. Maior divulgação e transparência na revelação de dados
  • Promover a criação de unidades especializadas da polícia para combater o tráfico de seres humanos, criando  equipes de investigação conjuntas, pelas policias de diferentes países.
  • Os instrumentos mais adequados para combater o tráfico são as medidas de congelamento dos ativos de suas máfias, para atacar e seu lado econômico.
  • Acabar com a corrupção, interna e internacional (da policia e de diferentes órgãos públicos) que facilita o tráfico humano.
  • Uma estratégia internacional entre os governos dos Estados que são países de origem, rota e destino das pessoas traficadas. Apenas a forte cooperação internacional e a sensibilidade social poderiam ser capazes de prevenir o tráfico de seres humanos.

[1] Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças

[2] Thaddeus Gregory Blanchette e Ana Paula da Silva , O mito de Maria, uma traficada exemplar:  confrontando leituras mitológicas do tráfico com as experiências de migrantes brasileiros, trabalhadores do sexo, em http://www.csem.org.br/remhu/index.php/remhu/article/view/278/253. Acesso 15  junho-2013

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais do Diálogos pela Liberdade – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais. 

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