BELO HORIZONTE – MINAS GERAIS
Dez programas apenas para pagar o quarto
11/03/2014
Joana Tavares
Belo Horizonte (MG)
Uma média de R$ 90 por sete horas de uso. É isso que cobram os 20 hotéis do hipercentro de Belo Horizonte – a maioria na rua Guaicurus – para que as cerca de 2.500 prostitutas que trabalham na região possam usar os quartos.
Por um valor desses, era de se esperar condições mínimas de conforto, segurança e higiene. Mas, segundo a Pastoral da Mulher, que há 30 anos atua na região, não é bem essa a realidade. Quartos escuros, mal ventilados, sem banheiro, sem limpeza e sem segurança. “E elas não têm direito a nada, têm que levar roupa de cama, papel toalha, camisinha, tudo que forem usar”, complementa Viviane Nunes da Fonseca, assistente social da pastoral.
Esse modelo é uma “especialidade” de BH. As mulheres não precisam pagar parte do que ganham para os chamados cafetões ou cafetinas, podem negociar direto o valor com o cliente e pagam “apenas” pelo uso do quarto.
Como o preço do programa varia de R$ 10 a R$ 30, são necessários de dez a 15 programas por dia para pagar o valor devido. “A quantidade de lucro que fica com os donos dos hotéis é imensa, em torno de R$ 400 mil por mês. Quer dizer, os donos lucram bastante e não dão a contrapartida necessária das diárias pagas pelas mulheres”, destaca José Manuel Lazaro Uriol, coordenador da pastoral. “Temos que considerar que quem aparece publicamente são os gerentes desses hotéis, mas os donos propriamente ninguém conhece”, reforça. Outro elemento que José Uriol chama atenção é para o registro dos hotéis: cadastrados pela Prefeitura como de turismo, eles não oferecem condições de trabalho e segurança para as mulheres.
Insegurança e preconceito
Depois que entram no quarto, elas conversam com os clientes e definem a duração, preço e tipo de programa. E ficam vulneráveis, sem garantia de segurança por parte dos estabelecimentos. A assistente social Viviane, que atua há seis anos no atendimento às mulheres e acompanhamento de voluntários, conta que recentemente alguns desses hotéis instalaram portas detectoras de metal.
“O dinheiro é imediato, mas é sofrido”
Paula, de 64 anos, é aposentada. Ela trabalhou como prostituta por 20 anos na rua Guaicurus, parou faz cerca de oito e defende que as colegas de profissão precisam investir bem o dinheiro que ganham, além de pagar em dia o INSS. Ela critica os valores das diárias e o preconceito.
Brasil de Fato – Como funciona esse esquema dos hotéis, de pagar diária?
Paula – Eu pagava diária. Quer dizer, todas as meninas pagam diária, né? O valor depende da época, de qual hotel… Atualmente, custa uns R$ 90. Para chegar nisso aí, as meninas têm que fazer uma média de uns dez programas, ou mais. Cada uma tem uma maneira de trabalhar, mas é essa média, de 10 a 15 programas.
E os hotéis são bons?
Olha, tem uns que são melhores. Mas tem uns aí que são horríveis. A segurança é péssima, o tratamento com as meninas é péssimo. A limpeza é péssima.
Que conselho você daria pras meninas que estão trabalhando hoje?
Pagar o INSS em dia. Diria pra investir nelas, fazer curso, estudar, para na hora que chegar em certa idade, ter uma maneira de viver. Tem que investir o dinheiro em coisa que vale a pena, como comprar uma casa própria. Tem que saber administrar bem esse dinheiro que é tão sofrido. Ele é imediato, mas é sofrido.
Você sofria preconceito da sua família, da sociedade?
Se eu tive preconceito, não percebi. Também naquela época a gente não falava muito o que fazia. Como até hoje, né? Olha, o mais difícil da profissão é isso, não poder falar o que faz. E a diária, que faz a gente sofrer mesmo. O mais difícil aqui em BH – pelo visto esse sistema só tem aqui – é isso, pagar esse dinheiro todo dia.
Por que se diz que a mulher está em situação de prostituição?
Por exemplo, hoje estou em estado de prostituição e amanhã posso não estar mais. Posso estar fazendo outra coisa. Porque eu não nasci prostituta. Estou nesse estado e posso sair dele, né?
Copyright © 2015 Brasil de Fato